Entrevista Isidro Ferrer – De que são feitos os sonhos?
Em entrevista para a revista Quatro Cinco Um, o artista espanhol Isidro Ferrer fala do desafio de ilustrar os sonhos de Helena Villagra, mulher do escritor Eduardo Galeano.
Publicado originalmente em 24/06/21, por Paula Carvalho na Revista Quatro Cinco Um.
Ao longo de dois anos, o artista espanhol Isidro Ferrer tentou capturar os sonhos de Helena Villagra, registrados pelo escritor e seu marido Eduardo Galeano (1940-2015), que ficava encantado com seus relatos oníricos: “Todo dia, na hora do café da manhã, Helena me humilha contando seus sonhos prodigiosos”, escreve ele no prefácio de Os sonhos de Helena, traduzido por Eric Nepomuceno e publicado pela Raposa Vermelha, do grupo WMF Martins Fontes. Sonhos fazem fila para serem sonhados; pessoas, animais e coisas que vão a uma casa para obterem nomes; mulheres mais velhas guardam o fogo na palma das mãos. Esses eram alguns dos devaneios de Helena que Galeano tentou passar para o papel e que Ferrer procurou traduzir em imagens, usando os mais diferentes tipos de materiais. Em entrevista à Quatro Cinco Um, o artista contou como foi esse processo de criação e a sua interlocução com Galeano.
Ilustrações de Isidro Ferrer
Como foi seu processo de criação dessas imagens?
O processo foi complexo, sinuoso, extenso, cheio de curvas e nuances. Houve momentos para tudo: de incerteza, de paralisia, de pânico, de tremor, mas também de descoberta, de emoção e, finalmente, de celebração. Foi um livro no qual trabalhei por quase dois anos. Numa primeira fase fiquei paralisado de medo, depois as dúvidas me fizeram girar excentricamente em torno de algumas ideias em busca da resolução plástica que daria coerência ao todo. Por fim, uma vez determinado o caráter das ilustrações, permiti que as imagens, que haviam sido construídas na minha imaginação durante um ano, se adaptassem às formas que o assunto me oferecia.
Que tipos de material você usou para compor essas ilustrações?
Há uma grande variedade de materiais nas ilustrações. Essas imagens funcionam como pequenos dioramas que transformam o espaço do papel em palco. Ali convergem lápis, tinta, papelão, madeira, ferro, osso, pedra, alguns objetos procurados e outros encontrados. Cada sonho decidia como queria ser feito.
Qual foi o maior desafio na hora de pensar essas imagens?
O desafio era não assassinar as imagens que as palavras de Galeano geram por si mesmas. Respeitar o texto. Não cair na redundância sublinhando o óbvio. Fugir da representação para abraçar a sugestão. Contornar a volatilidade dos sonhos. O desafio também era tornar as mãos fiéis ao pensamento. Buscar a concordância entre esses dois polos em conflito eterno: intenção e ação.
Como foi sua interlocução com Eduardo Galeano?
Nunca cheguei a falar diretamente com ele, a comunicação sempre foi feita através do Sebastián, editor do Zorro Rojo. Agradecia que fosse assim, que minha relação com Galeano passasse pelo filtro e pela intermediação do editor. Minha admiração por seu trabalho e por sua pessoa era, e é, tão grande que um relacionamento direto teria me intimidado e possivelmente me confundido. Só depois de terminado o livro é que recebi suas palavras de agradecimento, e foi como se fosse um presente. Foi bonito.
Teve algum sonho de Helena que você gostou mais de ilustrar? Tem algum preferido?
Algumas ilustrações me emocionam pela relação simbiótica que se estabelece entre imagem e palavra. Isso acontece em “O porto” e também em “O fim do exílio”. Outras me emocionam pela intensidade com que as fiz e pelas camadas depositadas nas imagens da minha própria memória. É o caso de “Juana”.
Tem algum livro que você gostaria de ter lido quando criança?
Em minha casa havia muitos livros, mas quase nenhuma história. Eu me lembro de mergulhar no universo romântico que Gustave Doré criou para a edição ilustrada de Dom Quixote e de passar horas imerso em cada ilustração. Adoraria ter lido quando criança O Panamá ou as aventuras dos meus sete tios, de Blaise Cendrars.
Como incentivar o hábito de leitura nas crianças?
Com livros que não as tratem como crianças.
Este texto foi feito com o apoio do Itaú Social.