Contos de fadas para mães feministas
Em artigo para o Blog da Letrinhas, Janaina Tokitaka reflete sobre os estereótipos de gênero presentes nos contos de fadas. Vejaabaixo ou no Blog da Letrinhas.
Publicado em 30 de novembro de 2016.
Ultimamente, os contos de fada andam recebendo críticas duras de famílias e educadores. Com razão, pais e professores reclamam que as princesas reforçam estereótipos de gênero e que essas histórias elogiam a subserviência e a beleza da mulher como valores indispensáveis para a felicidade feminina.
Como autora e ilustradora feminista, mãe de uma menina de seis meses e fã declarada de contos de fada, ando refletindo bastante sobre o assunto. Posso dizer que o que me atrai no gênero, mais do que a complexidade de seus personagens, é a pura esquisitice que está sempre presente no coração dos contos de fada.
A carruagem de abóbora, uma casa feita de doces, a transformação de 11 irmãos em gansos selvagens, o amor entre uma bailarina de papel e um soldadinho de chumbo, uma menina nascida de dentro de uma tulipa. Muito mais do que a princesa dos cabelos de ouro e sapatinhos de cristal, eram essas as imagens que permaneciam comigo depois de passar a noite folheando um livro enorme, cheio de ilustrações e muito pesado para minhas mãos.
Mas até a pessoa mais apaixonada pela estranheza da floresta dos irmãos Grimm pode acabar se incomodando com a docilidade servil da Branca de Neve, mesmo que esse leitor, assim como eu, não procure exemplos morais na ficção. Nesse caso, o que fazer?
É sempre bom lembrar que contos de fada são mutantes. Como em uma receita clássica, a base e os ingredientes continuam os mesmos, mas os temperos vão mudando com o tempo. Nada impede os pais de modificarem trechos de contos de fada com os quais não concordem, já que o formato aceita mudanças com muita naturalidade.
Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, tem dois finais diferentes. Segundo Charles Perrault, a personagem é engolida pelo lobo. Segundo os irmãos Grimm, é salva pelo caçador. Tenho certeza que a Chapeuzinho contemporânea certamente salvaria a si mesma, já que até mesmo as princesas mais sem graça criadas pelos estúdios Disney acompanham a mudança dos tempos e não precisam mais de príncipes para alcançar seus finais felizes.
Mas há muitas joias escondidas longe do cânone estabelecido pela Disney. Um bom exemplo é Mutsmag, um conto de fada apalache. Nele, a heroína é uma espécie de pequeno polegar mais selvagem e corajosa, uma criança que, abandonada por suas irmãs, sobrevive a ataques de ogros e gigantes usando sua esperteza e uma pequena faca de cozinha. Mutsmag, por seus feitos, sempre recebe uma recompensa em dinheiro, que ela usa ao final da história para se tornar independente e livre.
Já em A anciã da floresta, dos irmãos Grimm, uma pobre camponesa é assaltada por uma trupe de ladrões e deixada sem nada, na floresta. Ela se infiltra na cabana de uma bruxa má, batalha para que a malvada lhe ajude a recuperar seus bens, e, de quebra, ainda desfaz uma maldição. Tudo isso sozinha, sem a ajuda de ninguém.
Também gosto muito da protagonista do conto Os cisnes selvagens, de Hans Christian Andersen, que salva seus irmãos, transformados em aves. Da mesma forma, Greta, em A rainha da neve, do mesmo autor, resgata seu irmão da rainha do título, enfrentando perigos e desafios pelo caminho.
Para as leitoras mais velhas, recomendo os contos de fada recontados pela quadrinista Emily Carroll e pela escritora Angela Carter, duas autoras feministas que também adoram o gênero. Nesses contos, nenhuma heroína é doce ou indefesa. São apenas alguns entre outros muitos exemplos de boas histórias para meninas brincarem com suas coroas, sujando-as de terra no quintal, em batalhas contra ogros e dragões.
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Janaina Tokitaka escreve e ilustra livros infantis. Seu primeiro livro como autora, Tem um monstro no meu jardim, foi publicado em 2010 pela Escrita Fina. Desde então, publicou mais de trintas outras obras para o público infantil e juvenil. Pela Companhia das Letrinhas, já ilustrou Nove Chapeuzinhos, Caldeirão de poemas e O mercado dos Goblins. Ministra cursos livres sobre literatura e ilustração em instituições como MIS e Escola do MAM. Foi a ilustradora selecionada do Brasil para o workshop BIB – Unesco 2016, da Bienal internacional de Bratslava.